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terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Fotografando a Cabeça do Cavalo

              


            Ritos de passagem são celebrações  que marcam a mudança de status  de um individuo perante sua comunidade e /ou ele mesmo . São eles que marcam momentos significativamente importantes na vida de uma pessoa.  
                Geralmente são associados a praticas religiosa e/ou culturais. Entre alguns povos os jovens , ao atingirem a puberdade, devem inserir sua mão em uma luva feita de palha e recheada de formigas de fogo.
                São ritos de passagem  comuns para um carioca nascido no  seculo XX:
Ø  A primeira comunhão
Ø  A primeira cerveja
Ø  A Primeira transa.

                Depois disto vem mais mais cerveja , mais sexo e finalmente o casamento  e os filhos. O casamento e os filhos são ritos de passagem que só terminam com o passamento do cidadão.
                Assim como nas ditas culturas "mais primitivas" a astronomia também tem seus ritos de passagem . Quem já viu um astrônomo de joelhos tentando chegar até a ocular para observar uma obscura galaxia próxima ao zênite vai entender  bem que a religião e a ciência podem ter um parentesco remoto  evidente.
                Alguns ritos de passagem para o Astrônomo Amador :
Ø  Identificar o Cruzeiro do Sul ( astrônomos abaixo do equador...)
Ø  Observar a Lua com Telescópio.
Ø  Observar Júpiter , Saturno e os planetas em geral...
Ø  Observar a Grande Mancha em Júpiter
Ø  Observar a Caixinha de Joias
Ø  Observar Omega Centauro
Ø  Observar a galaxia de Andrômeda
Ø  Aprender a realizar o alinhamento polar de uma cabeça equatorial

             O alinhamento polar é algo como meter a mão na luva cheia de formigas. Você já esta  autorizado a pensar em astrofotografia. Assim como a astronomia a astrofotografia é como um teatro da vida.  E assim têm seus próprios ritos de passagem.
             Na astrofotografia existe   um importante rito de passagem: a compra do equipamento. Sem este não tem  brincadeira .  Hoje em dia com um investimento modesto você vai conseguir fazer fotos da Lua. Um pouco mais dos planetas. Mais ainda vai poder fazer da Lua , dos planetas e de DSos mais brilhantes. Mais grana  vai conseguir fotografar quase qualquer coisa.

             Com o dolar a R$ 4,00  um pacote completo para astrofotografia vai estar saindo por algo em torno de R$ 10.000,00. Talvez você consiga gastar um pouco menos . Comprando tudo separadamente e declinando de um sistema de acompanhamento... De uma olhada neste pacote oferecido por uma tradicional loja brasileira. http://www.armazemdotelescopio.com.br/loja/index.php/telescopios/ed80azeq5asi120mc-detail   .  É sempre bom lembrar que uma boa montagem é sempre uma boa montagem...
             Acrescente aí o preço de uma câmera DSLR low end e você estará apto a fotografar todos os ritos de passagem acima citados ( O Cruzeiro do Sul , a Lua ( com detalhes...) Os planetas, a Caixinha de Joias ( Ngc 4755)  Omega Centauro , A Galaxia de Andrômeda , todo o catalogo Messier e muito mais...) .
             Depois disto você pode novamente tentar meter a mão na luva de formigas .
             Você vai querer  fotografar a Nebulosa cabeça de Cavalo em Órion.  O São Jorge extra-lunar . B33 e/ou IC 434.
             Este foi um rito que durou anos para mim. Uma espécie de vestibular onde levei pau diversas vezes.

Esta foto foi realizada a partir do autosave ( com drizzle) original feito no DSS e que gerou diversas das demais fotos aqui apresentadas. Porém anos depois da captura inicial e foi trabalhada no PixINSight.  Percebe-se muito aberração cromática. O maior poder de processamento mostra mais detalhes mais também ressalta defeitos. As Lentes da Serie EF da Canon são de qualidade mais baixa... 

             Sendo uma foto que você vê em diversas revistas , fóruns e paginas da web é possível que você acredite ser uma tarefa simples.  Mas conseguir fazer esta foto é a culminância de uma longa curva de aprendizado.  Um rito de passagem.
            
              A tal curva de aprendizado a que me referi acima se inicia no momento em que você começa ao observar frequentemente os céus utilizando algum tipo de equipamento óptico. Ao longo desta curva você vai passar por dois momentos muito importantes. Um é entender como funciona uma cabeça equatorial e como funcionam os céus. Depois disto você vai sintetizar isto em um rito de passagem chamado de alinhamento polar. Neste momento sua cabeça equatorial , seja ela qual for , será capaz de acompanhar ( em tese) o movimento dos astros sendo corrigida apenas em um eixo. Acho importante lembrar que quanto melhor for sua cabeça equatorial mais fácil será realizar o alinhamento polar e melhor será o acompanhamento das estrelas pela cabeça.  Sei que é possível conseguir resultados muito bons mesmo com uma cabeça equatorial Eq1. Especialmente em fotos com grandes campos e utilizando-se lentes e/ou telescópios de pequena distância focal. No meu caminho eu só comecei a obter resultados com um minimo de dignidade utilizando uma Eq 3-2. A exceção são fotos da lua. estas podem ser realizadas mesmo com tripés fotográficos utilizando-se até  telescópios de grande distancia focal com barlows ( Uma lente que "dobra" a distancia focal destes) .
             Na minha batalha para fotografar a Nebulosa Cabeça de Cavalo eu descobri que objetos tênues e de caráter mais fotográfico que observacional implicam em tempos de captura muito maiores do que utilizamos em DSO´s brilhantes e facilmente visíveis de forma visual. Desta forma aprendi que uma cabeça com Go-to realmente ajuda muito a realização de tais projetos. Importante dizer que o iniciante deve evitar iniciar seu caminho utilizando-se de tal recurso. Ele deve aprender a navegar entre as estrelas ( o prazer da caça..) antes de utilizar a tecnologia para fazer o trabalho por ele.
             Sempre que imagino a foto da cabeça de cavalo me vem a mente uma imagem muito maior . Imagino sempre um quadro que engloba a banda sul da constelação de Órion. Nesta foto se apresentam diversos DSO´s. M 42, Running Man nebula, A nebulosa da chama e diversos abertos compõem a cena.  Destas a mais difícil de "imprimir" é a Cabeça de Cavalo. também conhecida por B 33. O primeiro a perceber esta nebulosa escura foi E. Barnard.
             É atrás desta foto que vou desde o começo.
             Desta forma determino a escolha do equipamento. Minha Cabeça de cavalo será fotografada utilizando minha zoom 70-300 mm. Assim poderei ter um caampo bem maior que com meus telescópios e uma razão focal mais veloz.
             Minha primeira tentativa foi ha alguns anos atrás e o resultado abaixo demonstra claramente que falhei. Compareceram diversos dos DSO´s citados mas nada da cabeça. Na verdade apenas M42 ( e 43) e os abertos da região se apresentaram de fato. Posso suspeitar a presença da Nebulosa da Chama.  A foto foi feita com minha Eq 3-2 com motorização em ambos os eixos.  Algumas dezenas de fotos com 30 segundos de exposição em 1600 ASA.


             Depois deste fracasso minha Cabeça de Cavalo foi para pasta de projetos futuros por um bom tempo.
             Com a chegada de Mme. herschel e com uma fatura de mais de R$ 3000,00 a ser paga achei que era hora de justificar o investimento. Era hora de começar a fotografar as coisas que nunca tinha fotografado.
             Quando iniciei na astrofotografia tinha estabelecido uma meta. Fotografar todo o Catalogo Lacaille.  Com este "na lata" ( na verdade falta M 83...) . Era a hora de partir para outro projeto. Desarquivei a Cabeça de Cavalo.
             No fim do ano de 2015 parti para Búzios com tudo que precisava para tal projeto. Inclusive uma lua nova no céu.
             Na noite da primeira tentativa eu, ingenuamente, acreditei que a nova cabeça e sua maior capacidade de acompanhamento fariam o truque quase sozinhas . Para garantir  eu realizei 90 fotos com trinta segundos de exposição. ASA 1600. 45 minutos de exposição total. Metade de um jogo de futebol.   Foi pouco!!   Muito para o que sempre faço!!! 
              A preguiça é um pecado capital na astronomia  também...
             A noite não estava com uma boa transparência e o tempo total de exposição não foi sequer próximo do que eu necessitava. Mesmo a Nebulosa da Chama compareceu timidamente.

             Na verdade capturar a Nebulosa da Cabeça de Cavalo é capturar IC 434. Esta é a Nebulosa de Emissão contra a qual B33 aparece estampada. Na Verdade a Cabeça de Cavalo é uma nebulosa escura que "apaga" IC 434 mais ao fundo. O nome é claro:  Nebulosa escura. IC 434 é bastante tênue e com uma grande área apresenta um brilho de superfície bem baixo...  
             Dois dias depois eu achei que a condição  de transparência havia melhorado. Para garantir o sucesso achei melhor realizar 200 exposições de 30 segundos . 


            Fiz 217 exposições de 30 segundos com ASA 3200.  Me ocorreu processar a Cânon caso não arrumasse nada desta vez. Afinal a tal da eficiência quântica de meu sensor deveria registrar até mesmo assombração desta forma.  
             Realizar centenas de exposições de um mesmo objeto com uma cabeça equatorial implica em um outro problema logístico e geografico.  Ou todas elas acontecem antes do objeto realizar seu trânsito naquela noite ou depois. Isto significa que ou todas as fotos acontecem antes ou depois do objeto cruzar o Meridiano. Ou ele esta "Nascendo" ou " se pondo".  Claro que você pode realizar a operação em dois ou mais dias. Não gosto da ideia...
             Ao se observar uma única exposição pode parecer que deu errado. Ou você fez exposições enormes que implicam em um alinhamento polar perfeito , uma montagem sem erro periódico e mesmo assim um sistema de acompanhamento que não possuo.


             Como trabalhava com uma lente de 70 mm o erro periódico passava disfarçado . Mas o alinhamento polar teria que ser digno. Ele foi! Não fui obrigado a corrigir o quadro  nenhum momento , as estrelas estão redondas e o DSS aceitou todos os frames.  
             O Plano foi começar cedo a fim de ter o máximo de tempo antes de B33 cruzar o meridiano. Começando assim que o céu se tornou escuro o suficiente para saber para onde olhava consegui ir de 20:50 até as 23:15. Entre capturas , intervalos e etc... foi possível realizar uma exposição total de 108 minutos e 30 segundos. Uma hora,  quarenta e oito minutos e trinta segundos.
             Aí vem a outra parte da astrofotografia e outros ritos de passagem... O pós processamento.
             Sempre achei que você deveria pegar leve no pós processamento  para evitar que sua foto virasse pintura. E como sempre registrei objetos bem claros isto me parecia uma verdade. Não é.
             Depois de realizar o processo de "stacking" ( empilhamento) das 217 fotos no Deep Sky Stacker ( DSS) percebi que havia capturado a Cabeça do Cavalo.  Mas estava assim . Não era exatamente uma brastemp.
             E assim fui me dignar a brincar de pós processamento com alguma seriedade.

             Começando com a resultado que obtive parti no DSS levei minha foto para o Photoshop onde um ajuste de Niveis melhorou um pouco as coisas . Mas ela continuava discreta. O cavalo estava mais para potro...  Então uma visita ao fitswork melhorou ainda mais o processo . Existe em um dos menus deste uma opçao chamada "Normalizar Nbulosas". Ajuda muito. 
             Mas ainda queria mais. Fui forçado a admitir que o pós processamento é importante e um mandamento:
                   "Só através deste conseguirei extrair detalhes de outra forma impossíveis."

             Um outro rito de passagem moderno é a especialização.  Acho importante lembrar que a astrofotografia é um ramo da astronomia. Eu sempre acreditei em um olhar amplo sobre as coisas . Holístico.  E assim preciso me lembrar sempre que dento de "minha" astronomia a fotografia não pode ser um fim.
             Mas me vejo obrigado a sempre lembrar de utilizar diversas oculares  e "ver" o que pretendo a observar.
             A Cabeça de Cavalo é algo que nunca observei. Mas ficará no HD o projetoi de vê-la visualmente.    A final a fotografia  um exercício fundamentalmente do  sentido da visão. Um sentimento.  Do verbo sentir.
             Para encerrar gostaria de dizer que depois de um rito de passagem sempre tem outro rito de passagem.  O ultimo é a morte.
             Então posso incluir mais dois mandamentos na astrofotografia:
Ø  Muito tempo de exposição . Não seja preguiçoso na captura.
Ø  Capturar bons frames subexpostos
Ø  Aprender a usar os softwres de pós proceessamento

                Realizar centenas de exposições sera o caminho. Depois garantir que estas foram realizadas com acompanhamento , no minimo , bom. Estudar e testar seu softwares .
                Quanto ao  ultimo rito eu ainda estou em observação., mas já aprendi algumas coisa que podem ser uteis :

Ø  Ao realizar o Stacking com  o DSS utilize  o metodo HDR. Especialmente se você possuir muitos frames.
Ø  Não são necessário milhares de dark frames. Bias e flats idem. ( Destes não fiz nenhum. - Já falei que a preguiça é um pecado?) 
Ø  Usar o Drizzle é importante. Ajuda muito com relação a problemas de acompanhamento e permite você obter resolução  utilizando distancias focais menores. 
Ø  Testar todas as possibilidades de pós processamento e procurar novas soluções. Conheça os softwares. E venho vivendo de uma dieta de DSS+ Fitswork ( outro Freeware)+ Photoshop CS 5  e  Noiseware.
               
                               
                E como não poderia deixar de ser:
                               -Fotografei a Horsehead.  Olalao oila!  Hoje é dia de festa!!  Dos tequilas, por favor.!!!
               
                               





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